Mas tá tudo bem, mãe; é a vida, e a vida só #5
- Lucas Rosa
- 6 de nov.
- 2 min de leitura
Canta a doce cantiga que cantavas quando eu corria doido ao teu regaço

Mãe,
Desembarquei no Rio de Janeiro faz uns cinco dias. Das minhas viagens, sabe, São Paulo, penso, quase não tem mais gosto especial. Não que não goste de lá, do SESC, da Avenida Paulista, de Haroldo Campos e Zé do Caixão, mas é não me causa mais tanto impacto. Já aprendi aquela língua, sei ir e vir (e, na maioria das vezes, me perder) naquela convulsão de ruas. Mas o Rio, ah, o Rio tem.
Penso em você toda hora, mãe. O apartamento que alugamos, em Copacabana, tem uma janela que dá pro Cristo. Fico olhando ele daqui, pequenininho, sabe? Se pinçar os dedos, vejo ele pouco maior que um grão de arroz. Sei que as coisas estão barra aí, daquelas barras que só carrega com tanto jeito. Sei que queria que eu ficasse mais um pouco. E eu, aqui, olhando pro homem do alto do Corcovado, pensando como gostaria de ter adiado essa viagem só pra ficar mais uns dias perto de você.
Com raras exceções, cidades não costumam provocar esse tipo de sentimento na gente. Mas é que aqui é tudo tão bonito que chega a doer nos ossos, entende, mãe? Pra onde quer que se olhe, só se vê coisa bonita. Morro, mar, grandes casarões, mulheres, homens, gente preta, branca, misturada, anjos bêbados cambaleando na areia de Ipanema. A cidade se debruça sobre o mar, as ondas lambem o calçadão. Tudo tão belo, tão blues. Nas areias da praia, sonhos e copos plásticos enterrados. O mar vai e volta feito saudade, e o Cristo, lá de cima, de braços abertos, iluminado em neon púrpura na noite. Mas ninguém o abraça, mãe.
Enquanto isso, continuamos aqui atentos, do alto da arquibancada, esperando ver emergir o monstro da lagoa.
Desculpa, mãe, por plagiar o Henfil (e Deus sabe mais quem) nessa crônica enferrujada de maresia sem nota de rodapé ou aviso de cabeçalho, mas eu curto tanto o cara que às vezes confundo minhas palavras com as dele.
A bênção do seu filho que te leva dentro,
Lucas. ■
* Texto publicado original em 10 de março de 2025, na plataforma Substack.




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