Um tratado menor sobre fazer chover
- Lucas Rosa
- 6 de nov.
- 6 min de leitura
Considerações marginais sobre magos, tempestades, e o governo de Luís Kalil em Bagé

Nas tradições ocultistas ocidentais, o domínio das forças naturais, como fazer chover, fazer parar de chover ou invocar o vento, é frequentemente associado à maestria sobre os quatro elementos (água, fogo, ar e terra). Eliphas Levi, em Dogma e Ritual da Alta Magia, fala da vontade mágica como instrumento central para agir sobre o mundo material. Para ele, o verdadeiro mago é aquele que, equilibrado internamente, consegue refletir esse equilíbrio no mundo externo. As manipulações climáticas, portanto, não são apenas metáforas: são expressões simbólicas e práticas da harmonia entre o microcosmo (o mago) e o macrocosmo (a natureza).
Franz Bardon, em sua obra Iniciação ao Hermetismo, afirma que um adepto avançado, ao dominar os elementos dentro de si, pode influenciar o mundo externo — inclusive precipitar chuva ou dispersar tempestades. Isso, no entanto, exige um alto grau de pureza, concentração e equilíbrio, pois qualquer desvio ético ou emocional pode desequilibrar o resultado. O mesmo princípio aparece nos grimórios atribuídos a São Cipriano, onde rituais populares para fazer chover ou cessar a chuva são associados a rezas, invocações e sacrifícios simbólicos, ligando o magista às forças locais, à terra e aos santos sincréticos.
Aleister Crowley reforça essa visão da natureza como espelho da consciência. Crowley, em especial, via a Verdadeira Vontade, isto é, A Lei de Thelema, como força suprema do universo, capaz de moldar realidades, incluindo o clima. Embora ele não tenha dado ênfase prática à manipulação do tempo, seus rituais invocativos e sua visão de magia cerimonial como engenharia da vontade sugerem que, em tese, um adepto poderia provocar fenômenos climáticos. Para os rosacrucianos, especialmente nos escritos do século XVII, as forças naturais são inteligências com as quais se pode cooperar. O vento, a chuva, o fogo — todos têm um espírito regente, e trabalhar com eles é antes uma questão de alinhamento e respeito do que de dominação.
Na última sessão do Cinematographo Má Fama, uma iniciativa da Estação Godot em Bagé, exibimos Sacco & Vanzetti (1971), de Giuliano Montaldo, e O Assassinato de Trotsky (1972), de Joseph Losey. Chovia a cântaros. Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), o volume acumulado em 24 horas ultrapassou os 70 mm na cidade. O presidente do Sindicato dos Municipários de Bagé, que gentilmente nos cede o espaço para as atividades, alertou sobre uma goteira próxima ao assento habitual de um dos curadores da mostra. Mas, naquela noite, nenhuma gota caiu. A chuva permaneceu lá fora, imperturbável, durante toda a sessão. Só pela manhã, ao retornar para a limpeza do local, encontrei o salão completamente alagado. Foi então que me ocorreu: não o fiz por querer, mas talvez tenhamos fechado um círculo. Um gesto antigo. Um cerimonial sem palavras para impedir que a chuva interferisse na evocação do cineclube. Um acordo com forças que nem nome possuem. ■
Chuvas em Bagé levam a disputa judicial entre Cacique Cobra Coral e o prefeito
12 de março de 1990
A desgraça pode se abater sobre a cidade gaúcha de Bagé, localizada a 377 quilômetros da capital, Porto Alegre, caso prevaleça a jura Fundação Cacique Cobra Coral, de Guarulhos (SP). Segundo a médium Adelaide Scritori, o descumprimento da promessa prestada pelo prefeito poderá romper o equilíbrio ecológico, transformando a região em um deserto.
Luís Kalil (PDS), prefeito da cidade, disse não se assustar com o aconselhamento da espiritualista. “Não tenho nenhum temor”. Assim, ele prepara-se para travar uma batalha judicial contra a entidade. A fundação entrou hoje, em Brasília, com uma ação de obrigação junto à Procuradoria-Geral da República, exigindo da Prefeitura de Bagé o plantio de 600 mudas de árvores na cidade. Kalil, no entanto, ameaça procurar a Polícia Federal para que investigue as atividades da fundação, classificada pelo prefeito como “pouco séria”.
Fundada por Ângelo Scritori, a Fundação Cacique Cobra Coral é uma organização que tem como objetivo intervir espiritual nos desequilíbrios provocados pelo homem na natureza. À frente da entidade, está Adelaide Scritori, médium que incorpora o espírito de Cacique Cobra Coral, que, segundo ela, também já teria sido de Galileu Galilei e Abraham Lincoln.
A Fundação alega ter realizado, com êxito, a assistência espiritual necessária, através de convocação de forças do além, na chamada “Operação Bagé”, acabando com uma prolongada estiagem de quase três anos. De acordo com o secretário-geral da fundação, Osmar Santos, a entidade, mantida por contribuintes anônimos, não cobra qualquer valor pelos serviços prestados. Porém, o próprio Cacique Cobra Coral teria pedido que em agradecimento fossem plantadas duas árvores para cada milímetro de precipitação pluviométrica.
Indignado, o prefeito acha que a chuva não tem nada a ver com espíritos: “Veio porque tinha que vir”, afirmou. “Não creio que as chuvas abundantes que caíram em fevereiro possam ser atribuídas ao trabalho da fundação”, disse o prefeito, desconsiderando o seu pedido de intervenção da entidade, feito por telex no final de fevereiro.
Com base nos pareceres técnicos-científicos dos professores Rubens Junqueira Villela, da USP, e Oswaldo Iwamoto, da UFPR, a médium Adelaide Scritori, presidente da fundação, incorporadora do espírito do Cacique Cobra Coral, a seca que assolava Bagé e toda a região da metade-sul do estado foi cessada. “Fizemos a nossa parte, alterando as condições climáticas. A Operação Bagé foi suspensa por ordem do Cacique Cobra Coral, porque a chuva que o povo precisava caiu e as barragens estão cheias com as chuvas que chegaram a 302 milímetros”, comemora Santos.
Em sua defesa, o prefeito de Bagé disse que não assinou nenhum contrato com a fundação, apenas fez uma consulta por telex sobre o que ocorria em Bagé, atitude que diz ter tomado “num momento de desespero”. Segundo ele, foi pressionado pela população a procurar a entidade. “Mas não sabia que a base dos seus trabalhos eram espíritas. Pensei que estivesse tratando com técnicos em meteorologia”, alegou.
Ainda, o acordo para o plantio das árvores, segundo Santos, teria sido fechado por telefone. “Dei a minha palavra, mas não acho que o mérito da chuva seja deles e vou plantar árvores de acordo com as necessidades do município. Não aceito imposições”, disse Luís Kalil. “Isso já estava no nosso plano de Governo e só não foi aplicado antes justamente em consequência da seca”, explicou.
Entretanto, o telex enviado pelo prefeito à entidade, na solicitação de seus serviços, desmente a versão de que Kalil desconhecia tratar-se de uma fundação espiritualista. Conforme cópia do documento, distribuída por Santos, o telex está endereçado à “médium Adelaide Scritori”, comprovando o conhecimento da natureza mediúnica dos trabalhos. ■

Depois de quase uma hora subindo a montanha, quando estava diante da parte mais difícil, um vento surgiu com uma força inesperada e eu tive que me agarrar com todas as forças na pequena plataforma onde estava apoiado, para não despencar lá embaixo. Fechei os olhos, esperando pelo pior, e mantive as unhas cravadas na rocha. Qual foi minha surpresa ao reparar, no minuto seguinte, que alguém me ajudava a ficar numa posição mais confortável e segura. Abri os olhos e o Mestre estava do meu lado. Fez alguns gestos no ar, e o vento parou de súbito. Com uma agilidade misteriosa, na qual haviam momentos de puro exercício de levitação, ele desceu a montanha e pediu que eu fizesse o mesmo. Cheguei lá embaixo com as pernas tremendo, e perguntei indignado porque ele não tinha feito o vento parar antes que me atingisse. – Porque fui eu quem mandou soprar o vento – respondeu. – Para me matar? – Para salvá-lo. Você seria incapaz de subir esta montanha. Quando perguntei se queria subir, não estava testando a sua coragem. Estava testando sua sabedoria. ■ (Diário de um Mago, Paulo Coelho)
E quanto ao escritor brasileiro e mundialmente reconhecido Paulo Coelho, o que pensa de seus livros?
Alan Moore - Li alguns. Ele é interessante. Mas suas idéias de magia são diferentes das minhas. Lembro de dar uma entrevista a um brasileiro que disse que Paulo Coelho poderia transformar água em vinho e fazer chover com xamanismo. Não conheço tanto a obra de Paulo Coelho para saber do que o jornalista estava falando, mas sei que eu não consigo fazer nada disso. E não há muita vantagem em fazer chover na Inglaterra, temos chuva suficiente o ano todo. Também não preciso transformar água em vinho. Tem uma loja de bebidas aqui na esquina. Dá muito menos trabalho do que ter de transformar aqueles átomos de água em átomos de álcool (risos). ■
(G1, 2007)
* Texto publicado original em 29 de julho de 2025, na plataforma Substack.




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